domingo, 28 de fevereiro de 2010

COMO AVALIAR A SUSTENTABILIDADE

VALOR 25/02/2010
José Eli da Veiga

A sustentabilidade só poderá ser avaliada se o desempenho econômico e a qualidade de vida também puderem ser medidos com novas ferramentas, que nada têm a ver com os atuais PIB e IDH. Esse é o principal resultado de um elusivo debate que já tem quase quarenta anos, desencadeado em 1972 por um trabalho que continua amplamente visto como "seminal": o capítulo "Is growth obsolete?" de William D. Nordhaus e James Tobin, no quinto volume da série Economic Research: Retrospect and Prospect, do National Bureau of Economic Research (NBER).

Como diz o título, o foco não estava propriamente em indicadores, e sim na discussão sobre uma eventual obsolescência do crescimento econômico. E a argumentação se ancorou na teoria econômica canônica para refutar esse tipo de contestação, que se intensificara nos anos 1960. Mas a principal resultado foi a tese de que o progresso indicado pelas medidas resultantes da contabilidade nacional convencional (como PNB ou PIB) não se altera ao ser substituído por uma medida efetivamente orientada para o bem-estar.

Para tanto, introduziram uma série de correções no método de cálculo do produto (nacional ou apenas interno), de maneira a - por um lado - retirar componentes que não contribuem para o bem-estar. E - por outro - acrescentar alguns dos que o fazem, mesmo que não entrem no cálculo convencional por não fazerem parte da produção. Chegaram assim à construção de uma "Medida de Bem-estar Econômico", ou MEW na sigla em inglês.

O primeiro passo dessas complicadas correções foi evidentemente se voltar ao produto líquido, em vez do bruto, considerando algumas das imprescindíveis depreciações. Logo depois foi introduzida a ideia de um nível de consumo per capita que não excede a tendência de aumento da produtividade do trabalho, chamado pelos autores de "sustentável". Para eles, se o consumo per capita exceder esse nível dito, significa que ele está avançando sobre parte dos frutos do progresso futuro.

Na conclusão comparam os resultados obtidos com a medida de bem-estar econômico (MEW) aos dados do produto líquido, em vez de compará-los ao PNB ou ao PIB, o que teria sido bem mais coerente com o objetivo do trabalho. Se não tivessem usado tal subterfúgio, certamente teriam obtido conclusão inversa. E o pior é que hoje chega a ser difícil acreditar que a dupla não tenha incluído estimativas de qualquer dano ambiental ou depleção de recursos naturais nos cálculos do que chamaram de "MEW-S": Medida de Bem-estar Econômico Sustentável.

Foi somente dezessete anos depois que surgiu o "Índice de Bem-estar Econômico Sustentável" (ISEW na sigla em inglês), graças à importante contribuição do economista ecológico Herman E. Daly, em livro que resultou de parceria com John B. Cobb Jr.: "For the Common Good" (1989). Teve enorme repercussão, pois foi depois calculado em ao menos 11 outros países: Canadá, Alemanha, Reino Unido, Escócia, Áustria, Holanda, Suécia, Chile, Itália, Austrália e Tailândia. E em 2004 se transformou no Indicador de Progresso Genuíno (GPI na sigla em inglês), criado pela ONG americana Redefining Progress (http://www.rprogress.org).

O grande problema da abordagem ISEW - e que até piorou no GPI - é que a precificação de danos ambientais, de ganhos de lazer e de trabalho doméstico ou voluntário, por exemplo, é altamente especulativa. Por mais que economistas convencionais e alguns ecológicos venham a aperfeiçoar seus métodos de valoração, os resultados jamais serão persuasivos. Sempre será um exercício arbitrário atribuir grandezas monetárias a prejuízos ou ganhos que não têm preços determinados por mercados.

Na falta de alternativa, é claro que um juiz deve preferir que o valor de uma indenização seja calculado por algum desses métodos. Mas coisa muito diferente é pretender que o mesmo será aceito pela sociedade quando se trata de atribuir grandezas monetárias a danos causados por poluições, ao trabalho de pais e mães na criação de seus filhos, ou aos cuidados familiares com os mais idosos.

Além disso, correções e extensões do PIB até poderiam levar a um indicador que servisse para chamar a atenção sobre a evolução divergente entre o desempenho de uma economia nacional e o bem-estar econômico que ela foi capaz de gerar. Mas isso tem muito pouco a ver com a ideia de sustentabilidade, que, por sua vez, se refere necessariamente ao futuro. Mostrar que a taxa de aumento do bem-estar econômico é inferior à taxa de aumento do PNB ou do PIB nada diz a respeito da possibilidade de que ambos sejam ou não sustentáveis.

Tudo isso provavelmente mudará com a assimilação das mensagens e recomendações que estão no Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress (www.stiglitz-sen-fitoussi.fr). A primeira grande contribuição dessa Comissão já foi a de mostrar com muita clareza que existem três problemas bem diferentes, que não deveriam ter sido misturados nem isolados, como ocorreu ao longo desses quase 40 anos de debate. Uma coisa é medir desempenho econômico, outra é medir qualidade de vida e uma terceira é medir a sustentabilidade ambiental do processo.

Para essas três questões o relatório deu orientações muito mais radicais do que supunha a maioria dos observadores: 1) O PIB (ou PNB) deve ser inteiramente substituído por uma medida bem ajustada de renda domiciliar disponível, e não de produto; 2) A qualidade de vida só pode ser medida por um índice composto sofisticado, que incorpore inclusive recentes descobertas desse novo ramo que é a economia da felicidade; 3) A sustentabilidade ambiental exige um pequeno grupo de indicadores físicos, e não de malabarismos que artificialmente tentam precificar coisas que não são mercadorias.

Em suma: o relatório propõe a superação da contabilidade produtivista, a abertura do leque da qualidade de vida, e todo o pragmatismo possível com a sustentabilidade ambiental.

José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo, escreve mensalmente às terças, excepcionalmente este mês, na quinta-feira.
Página web: www.zeeli.pro.br

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A DEMANDA DE ATER

A Política Nacional de ATER (PNATER), instituída em 2003 com ampla consulta à sociedade e o Seminário Nacional de ATER promovido pelo CONDRAF enfatizaram a necessidade de se buscar um novo paradigma de desenvolvimento agrícola. O novo modelo de desenvolvimento, para ser sustentável, deverá promover a transição do modelo da “Revolução Verde”, baseado no uso de insumos químicos, sementes melhoradas com baixa diversidade genética (inclusive transgênicos), monoculturas e mecanização pesada para um modelo baseado nos princípios da agroecologia.

A prioridade da agroecologia para os processos de ATER foi ratificada na nova lei de ATER embora o Seminário de ATER tenha constatado que muitas dificuldades ainda se acumulam para que a agroecologia venha a ser a base real da política de extensão rural e do desenvolvimento agrícola.

A nova lei de ATER exige que os programas de ATER sejam definidos a cada quatro anos quando se formulam os Planos Pluri Anuais. Os programas serão definidos por conferências nacionais de ATER organizadas pelo Comitê de ATER do CONDRAF. Como o próximo PPA só será definido no ano que vem a referência para a chamada de projetos em 2010 deverá ser o próprio PNATER de 2010 e o Seminário de ATER de 2008.

O DATER está consultando os CNDRSs, os movimentos sociais e a ANA bem como o Comitê de ATER do CONDRAF visando levantar a demanda de ATER para este ano. Acho que o DATER deveria ter apresentado alguns critérios para qualificar esta demanda, em primeiro lugar lembrando a vigência das orientações do PNATER. Por outro lado, não está claro como vai ser o processo de financiamento da ATER. Sabe-se que o MDA vai financiar as atividades de ATER, com todos os seus custos embutidos (infra-estruturas, pessoal, veículos, custos operacionais, etc.) mas qual será a relação entre as atividades e os projetos de desenvolvimento?

O PNATER insistiu na necessidade de se criar processos de ATER que apóiem o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar com base na agroecologia (prioritariamente, segundo a lei) e isto implica em um conjunto de atividades integradas e, muitas vezes, complexas, envolvendo pesquisa, experimentação, capacitação, intercâmbios, comunicação, etc., tanto na área técnica de produção como no beneficiamento e no acesso aos mercados. A proposta enfatiza a necessidade de se buscar a diversificação produtiva e o reforço da segurança alimentar e dos mercados locais. Também foi fortemente enfatizada a necessidade de se manter processos contínuos e de longo prazo para que este desenvolvimento sustentável possa ser efetivamente conseguido.

Como combinar este processo com um financiamento por atividades? A meu ver não é possível estabelecer uma demanda de ATER por atividade mas por projeto de desenvolvimento local agroecologico no qual as atividades estarão inseridas. Neste sentido acredito que as chamadas para projetos não podem ser para capacitação, pesquisa, comunicação ou qualquer outra atividade específica mas para objetivos de desenvolvimento local que especificarão as atividades necessárias. O pagamento pode ser feito por atividade mas as chamadas e os projetos deverão responder a objetivos sócio-econômicos e ambientais bem claros e para públicos bem definidos. Não me parece razoável definir chamadas por produto ou por cadeia produtiva pois isto contraria a própria idéia da diversificação produtiva, da segurança alimentar e da agroecologia.

Com base nestas considerações acho que uma chamada possível deveria conter a identificação do tipo de público a ser beneficiado (agricultor familiar, quilombola, indígena, extrativista, etc.), as áreas prioritárias (territórios da cidadania, semi-árido, amazônia, etc.), os objetivos a serem alcançados (aumento da produção, maior segurança produtiva, conservação dos recursos naturais renováveis, maior segurança alimentar, maior renda, etc.) e a base técnica a ser adotada (agroecologia como prioridade). Os projetos deverão informar o alcance da sua atividade em termos de número de beneficiários bem como o tipo de inserção social (comunidade, sindicato, assentamento, cooperativa, etc.). É preciso também levar em conta que nem todo o público alvo está inserido em alguma forma de organização social e que alguns projetos poderão ser dirigidos a este público disperso. No entanto, como os princípios da nova ATER privilegiam a construção de atores sociais é preciso que estes projetos incluam atividades de criação de formas organizativas (ou o estimulo à adesão às formas organizativas existentes) que permitam que as metodologias participativas possam ter seus efeitos potencializadores.

Coloca estas reflexões para debate na coordenação da ANA bem como para reações dos companheiros do DATER.

Aguardo reações com extrema urgência pois a definição das chamadas de ATER vai ser feita em prazos muito curtos.

Saudações agroecológicas.

Jean Marc (coordenador do programa de políticas públicas da AS-PTA)

FINANÇAS SOLIDÁRIA EM DEBATE



Agentes da Cáritas no Maranhão debatem finanças solidárias em oficina. Foto: Zema Ribeiro

Cerca de 30 agentes da Cáritas Brasileira de diversas regiões do Maranhão debateram o tema em São Luís.

Cerca de 30 agentes populares diocesanos da Cáritas Brasileira no Maranhão participaram da Oficina de Finanças Solidárias realizada pela organização em São Luís. O encontro aconteceu na Casa de Retiros Oásis (Rua Frei Hermenegildo, 380, Aurora/Anil), nas últimas terça (2) e quarta-feiras. 35 oficinas foram realizadas no país.

“A discussão do tema foi pautada em todos os regionais da Cáritas Brasileira. Há uma necessidade de discussão das dioceses junto com os Fóruns Brasileiro e Estadual de Economia Solidária, para que os grupos produtivos possam melhor se articular e acessar os recursos, tanto dos fundos nacional e diocesano de solidariedade, quanto recursos públicos, via bancos e editais”, afirmou Jaime Conrado de Oliveira, Assessor de Desenvolvimento Solidário Sustentável Territorial da Cáritas Brasileira Regional Maranhão.

Assessor do Secretariado Nacional da Cáritas Brasileira, o economista Ademar Bertucci lembrou o papel pioneiro do organismo no debate sobre as finanças solidárias. “Ainda na década de 1980 a Cáritas e a CNBB lançaram os Projetos Alternativos Comunitários (PACs). Os fundos solidários devem ser entendidos também como uma ação pedagógica: não é simplesmente crédito pelo crédito. É o apoio orientado a grupos produtivos”, afirmou.

Para a representante do Fórum Estadual de Economia Solidária do Maranhão, Mariana Nascimento, “a economia solidária tem sido historicamente excluída do acesso ao crédito e a principal luta dos fóruns é pela modificação desse cenário”. Ela informou ainda da existência de fundos rotativos com editais abertos e acesso bastante simplificado no Maranhão. O volume de recursos, por projeto, varia entre R$ 500,00 (quinhentos reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Campanha da Fraternidade – Com o tema “Economia e Vida” para o ano de 2010, a Campanha da Fraternidade Ecumênica também foi lembrada na programação da Oficina de Finanças Solidárias. Para falar do assunto, o convidado foi o Pe. Jean Marie Van Damme, da Associação de Saúde da Periferia do Maranhão (ASP/MA) e CNBB Regional NE V.

“A reflexão da Campanha da Fraternidade sobre este tema vem em momento bastante oportuno, já que a mídia faz de tudo para tornar o tema invisível. É mais que necessária a discussão de outra economia para outro desenvolvimento, levando em conta paradigmas de sustentabilidade, solidariedade e territorialidade”, afirmou o padre.

Além de agentes da Cáritas, participaram da Oficina de Finanças Solidárias representantes do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e do Banco do Nordeste. O FBES pautou a discussão atual da necessidade de um marco legal para a economia solidária no país; o BNB apresentou a experiência do CrediAmigo, programa de microcrédito que completará 12 anos em 2010.

QUEM DECIDE O QUE COMEMOS?

[EcoDebate] Esther Vivas*

A crescente mercantilização da agricultura é uma realidade inegável nos dias de hoje. A privatização dos recursos naturais, as políticas de ajuste estrutural, os processos de “ descampesinizaçã o”, a industrializaçã o dos modelos produtivos e os mecanismos de transformação e distribuição de alimentos nos conduziu a atual situação de crise alimentar.

Neste contexto, quem decide o que comemos? A resposta é clara: Um punhado de multinacionais da indústria agro-alimentar que, com o beneplácito de governos e instituições internacionais, acabam impondo seus interesses privados acima das necessidades coletivas. Frente a essa situação, nossa segurança alimentar está gravemente ameaçada.

A suposta “preocupação” por parte de governos e instituições como o G8,G20, Organização Mundial do Comércio, etc.., frente ao aumento do preço dos alimentos básicos e seu impacto nas populações mais desfavorecidas, que mostraram o transcurso do ano de 2008 em Cúpulas internacionais, não fez mais que mostrar sua profunda hipocrisia. O atual modelo agrícola e alimentar lhes garante importantes benefícios econômicos, sendo utilizado como instrumento imperialista de controle político, econômico e social no que diz respeito aos países do sul global.

Como assinala o movimento internacional Via Campesina, ao final da última reunião da FAO em Roma na metade de novembro: “ A ausência dos chefes de Estado dos países do G8 têm sido uma das causas principais do fracasso total desta Cúpula. Não se tomaram medidas concretas para erradicar a fome, deter a especulação sobre os alimentos ou frear a expansão dos agro-combustí veis”. Assim mesmo, apostas como a Parceria Global para a Agricultura e a Segurança Alimentar e o Fundo Fiduciário para a Segurança Alimentar do Banco Mundial, que contam com o apoio explícito do G8 e do
G20, apontam nesta direção, deixando nossa alimentação, uma vez mais, em mãos do mercado.

De todos modos, a reforma do Comitê de Segurança Alimentar ( CSA) da FAO é, segundo a Via Campesina, um passo adiante na direção de “ democratizar” as decisões em relação da agricultura e alimentação: “ ao menos este espaço respeita a regra básica da democracia, isto é, o principio de “ um pais, um povo”, e outorga um novo espaço a sociedade civil”. Ainda que esteja por ver a capacidade de incidência real do CSA.

Monopólios
A cadeia agro-alimentar está submetida, em todo seu processo, a uma alta concentração empresarial. Se começarmos pela primeira etapa, as sementes, observamos como dez das maiores companhias ( como Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer…) controlam, segundo dados do Grupo ETC, a metade de suas vendas. As leis de propriedade intelectual, que dão às companhias direitos exclusivos sobre as sementes, estimulam ainda mais a concentração empresarial do setor e tem destruído a base do direito campesino a manutenção das sementes autóctones e a biodiversidade.

A industria das sementes está intimamente ligada a dos pesticidas. As maiores companhias de sementes dominam também este outro setor e, frequentemente, o desenvolvimento e comercializaçã o de ambos os produtos se realizam juntos. Mas na indústria dos pesticidas o monopólio é ainda superior, as dez maiores empresas controlam 84% do mercado global. Esta mesma dinâmica se observa também no setor de distribuição de alimentos e no processamento de bebidas e comidas. Se trata de uma estratégia que vêm aumentando.

A grande distribuição, assim como em outros setores, contam com uma alta concentração empresarial. Na Europa, entre os anos 1987 e 2005, a cota de mercado das dez maiores multinacionais de distribuição significava 45% do total e se prognosticava que esta poderia chegar a 75% nos próximos 10-15 anos. Em países como Suécia, três cadeias de supermercado controlam ao redor de 95% da cota de mercado; e em países como Dinamarca, Bélgica, Estado Espanhol, França, Holanda, Grã Bretanha e Argentina, umas poucas empresas dominam 60% e 45% do total. As mega-fusões compõe a dinâmica habitual. Este monopólio e concentração permite um forte controle na hora
de determinar o quê consumimos, a quê preço, de quem procede e como têm sido elaborado.

Fazendo negócio com a fome

Em plena crise alimentar, as principais multinacionais da indústria agro-alimentar anunciavam cifras recorde de lucros. Monsanto e Dupont, as principais companhias de sementes, declaravam um subida de seus benefícios de 44% e de 19% respectivamente em 2007 em relação com o ano anterior. Na mesma direção apontavam os dados das empresas de fertilizantes: Potash Corp, Yara Y Sinochem, que vieram subir seus benefícios em 72%, 44% e 95% respectivamente entre 2006 e 2007. As processadoras de alimentos, como
Nestlé, assinalavam, também, um aumento de seus lucros, assim como supermercados como Tesco, Carrefour e Wal-Mart. Enquanto milhões de pessoas no mundo não tinham acesso aos alimentos.

Esther Vivas é autora “Del campo al plato” (Icaria editorial, 2009), membro da Campanha ‘O clima não está à venda’. Militante de Izquierda Anticapitalista. Membro da Red de Consumo Solidario e da Campanha ‘No te comas el mundo’. Membro do Centro de Estudios sobre Movimientos Sociales (CEMS) de la UPF, colaboradora/ articulista internacional do EcoDebate.
Artigo publicado no Diagonal, nº 115 [http://esthervivas. wordpress. com]
Tradução para o BA de Paulo Marques.

AGRICULTURA QUIMICA: BENEFICIA QUEM?

Por Celso Dobes Bacarji, da Envolverde

Com o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico nossa sociedade foi optando por consumir produtos cada vez mais dependentes das novas tecnologias. Hoje precisamos classificar de "orgânicos" quando queremos nos referir a alimentos produzidos sem o uso da tecnologia química, em toda a sua cadeia.

A indústria química do século 20 foi um sucesso retumbante. Uma tecnologia tão poderosa que conquistou mentes, corações e bolsos antes mesmo de se terem respondidas muitas questões sobre a sua segurança para a saúde humana e para o meio ambiente como um todo.

A sociedade foi forçada a consumir em massa produtos (não só alimentícios) impregnados de tecnologia química, como se fosse uma nova fruta, saborosa e nutritiva. Hoje, não há alimento no supermercado, fora das prateleiras de orgânicos, que não contenha desde um defensivo agrícola na sua produção até um conservante químico na sua industrialização, sem falar nas emissões de gases e outros efeitos colaterais desse modo de produção.

Estima-se que a indústria química tenha pelo menos 75 mil produtos diferentes utilizados em agrotóxicos, alimentos, remédios, plásticos, tintas, papéis, e subprodutos do petróleo. A química permite uma combinação tão fértil que todo ano esta indústria registra pelo menos mil novos produtos no mundo. Diante da falta de alternativas, e de informações, enfiaram-nos guela abaixo substâncias químicas que nunca antes haviam habitado o corpo humano. Muitas delas nem estavam presentes na natureza de forma pura.

A pergunta básica é: por que motivo somos obrigados a comer química pura? em outras palavras, esse "alimento" é bom pra quê, ou pra quem? Para a minha saúde não é, com certeza. Ou alguém tem alguma dúvida de que isso não faz bem? Também não é bom para a natureza, está mais do que claro.

Começam a crescer no mundo as discussões sobre os chamados "disruptores endócrinos". São produtos químicos sintetizados artificialmente e estrogênios naturais produzidos por plantas ou metabólitos de fungos, presentes em champus, detergentes, anticoncepcionais, remédios e outros, amplamente consumidos pela sociedade, que depois de percorrerem os esgotos e lixões dos centros urbanos contaminam o solo e os mananciais, atingem uma cadeia alimentar extensa e provocam doenças nas principais glândulas de homens e animais, inclusive câncer.

Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que uma gama enorme de produtos que consumimos hoje só existem para beneficiar atividades de produção, como combater pragas, aumentar a produtividade, a vida útil antes do consumo, reduzir mão-de-obra, melhorar o "custo-benefício", enfim, vários sinônimos de "aumentar os lucros". Não há vantagens qualitativas para o consumidor. Ninguém vende defensivo agrícola fazendo propaganda de seus efeitos sobre as qualidades nutritivas dos alimentos.

Então por que comemos esses produtos? Na verdade caímos nessa armadilha aos poucos, fomos iludidos, usaram muito bem a propaganda, esconderam, omitiram e até mentiram, para fazer parecer que a indústria química, como ela é explorada hoje, é completamente inofensiva. Os desastres já foram muitos até agora: com o metil-mercurio, a talidomida, o dietilestilbestrol, o DDT, o PCB e outras sopas de letrinhas, além de tragédias como em Cubatão, na Índia e por aí vai. O balanço de custo-benefício dessa indústria para o mundo já está no vermelho há muito tempo. Mesmo assim, continuamos acreditando nesse modo de produção ganancioso e enganador.

Mas, se entramos nessa onda por falta de alternativas, ou enganados, agora não temos mais desculpa. Sabemos de todas as suas mazelas. E, além disso, já é possível imaginar uma agricultura orgânica em larga escala com inúmeras vantagens sobre agricultura química convencional, entre elas, talvez a mais importante, a sua capacidade de a geração de empregos. Da mesma forma as outras atividades orgânicas como a pecuária, a piscicultura, a criação de frangos, suínos e a florestal.

A produção orgânica não é uma atividade simples e fácil de ser desenvolvida como a princípio se pressupõe. Ela também exige conhecimento e tecnologia, além da mão de obra mais intensiva. No contexto de uma economia verde, talvez seja uma das atividades que tem maior potencial de geração de renda. E, se praticada em escala, tem condições de reduzir significativamente seus custos, barateando seu preço final.

Uma pesquisa feita pela Market Analysis revela que cerca de 17% dos consumidores urbanos brasileiros já optaram pelos produtos orgânicos, embora o mercado ainda seja abastecido por apenas 2% do total de produtores agrícolas do país. Ou seja, a demanda por esse tipo de alimento já é alta e vem crescendo rapidamente. São mais de 3,5 milhões de brasileiros consumindo produtos orgânicos entre uma e cinco vezes por semana, segundo a pesquisa, realizada nas nove principais capitais do país, na faixa etária entre 18 a 69 anos. Só em São Paulo são mais de um milhão de consumidores, número expressivo, considerada a faixa etária.

A produção de orgânicos tem-se tornado um negócio tão atraente que conquistou rapidamente as redes de supermercados. O diretor da pesquisa da Market Analysis, Fabian Echegaray, diz que a venda desse tipo de produto deixou de ser exclusiva de feiras ecológicas, de rua, ou de lojas especializadas, e ganhou as prateleiras das grandes redes de supermercado. Segundo a pesquisa, 77% dos entrevistados adquirem produtos orgânicos nos supermercados.

A agricultura orgânica é uma das atividades econômicamente em alta, atualmente, que tem o maior potencial para atender necessidades específicas e urgentes dos países pobres e emergentes, onde uma grande parcela da população rural é desprovida de recursos econômicos e tecnológicos para desenvolver uma agricultura química e mecanizada.

No caso do Brasil, calcula-se que através de políticas públicas apropriadas seria possível absorver nessa modalidade de produção 70% os agricultores familiares hoje excluídos da agricultura química. Bastaria vontade política e investimentos especialmente no treinamento dessa população nos princípios da agricultura orgânica, que aborda a propriedade rural como um organismo.

Não há, portanto, justificativas plausíveis para que continuemos a produzir movidos pela máquina da agricultura química e dependentes dela. Claro que não podemos sair de um sistema tão complexo de produção para outro, completamente diferente, de uma hora para outra. Claro que é preciso caminhar mudando. Mudando hábitos de consumo, mudando a forma de ver o mundo, a economia e, principalmente, a ciência.

Temos feito a carroça da economia andar na frente dos bois, há muito tempo, especialmente a partir do século passado. Não é possível que a ciência seja arrastada pelos interesses econômicos, instrumentando alucinadamente novas tecnologias, para girar o mercado e concentrar renda. Seu verdadeiro papel não é
fomentar a máquina da produção a qualquer custo, e sim encontrar soluções para que todos tenham acesso a uma produção saudável e sustentável.