WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Discutir temas ambientais deixou de ser uma novidade.
Ao contrário, passou a ser uma obrigação muito menos pelo caráter romântico que o preservacionismo difundiu do que pelo caráter social das questões. A associação entre o social e o ambiental é foco de análises de diversos cientistas sociais que convergem na necessária regulação das ações humanas no ambiente desde o final do século 20.
A partir desse ponto, encontra-se uma série de possibilidades teóricas e metodológicas que ajudam a interpretar o mundo atual em uma perspectiva ambientalista. Essa série de teorias recebeu um impulso por meio de três livros.
O primeiro é "A Terceira Margem", do economista polonês Ignacy Sachs.
Narrado em primeira pessoa, apresenta diversos momentos da vida do pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, professor emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris) e criador do Centro de Estudos do Brasil Contemporâneo, na mesma instituição.
Sua trajetória pessoal é marcada por idas e vindas por diversos países, incluindo Brasil e Índia. Além disso, teve a oportunidade de participar de momentos cruciais da ordem ambiental internacional, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Rio-92.
Entre as diversas passagens que essa rica obra possui, destaque-se a presença de Sachs na reunião preparatória para Estocolmo em Founex (Suíça), de que resultou, segundo escreveu, o seguinte entendimento: "Nada de parar o crescimento enquanto houver pobres e desigualdades sociais gritantes; mas é imperativo que esse crescimento mude no que se refere a suas modalidades e, sobretudo, à divisão de seus frutos. Precisamos de outro crescimento para um outro desenvolvimento. "
Estava lançada a base para o polêmico desenvolvimento sustentável, que, para o autor, permite construir uma nova forma de organizar a vida.
Esse conceito foi a base do livro "Desenvolvimento, Justiça e Meio Ambiente", organizado por José Augusto Pádua, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Trata-se de uma coletânea de artigos sobre o desenvolvimento sustentável e sua "aplicação" em algumas situações no Brasil, como a gestão dos biomas do país, a relação com as desigualdades sociais brasileiras, a educação, a justiça ambiental, o setor empresarial e a política externa.
Para o economista da USP José Eli da Veiga, existem restrições ao PIB [Produto Interno Bruto] para avaliar a economia de um país. Aponta que seria oportuno pensar em novos indicadores que possibilitem entender como países como Índia e China devastam seus ambientes naturais em troca de um crescimento econômico per capita muito superior ao conquistado nas últimas décadas pelo Brasil.
Este possui normas de controle ambiental mais eficazes que aqueles países, apesar das dificuldades para fiscalizar sua aplicação.
Juliana e Marcio Santilli, respectivamente advogada e filósofo, comentam o surgimento do socioambientalismo no Brasil, resultado de uma frente de ação política que congregou movimentos sociais e o movimento ambientalista, na segunda metade da década de 80.
Além disso, o associam à redemocratizaçã o do país e à Rio-92, que mobilizou vários segmentos sociais que até então não conversavam, como os Povos da Floresta, liderados por Chico Mendes, e a Central Única dos Trabalhadores, por exemplo.
A outra obra é "A Nova Ordem Ecológica", de Luc Ferry, filósofo francês que já foi ministro da Educação em seu país, lançada originalmente em 1992, em nova tradução.
Ela representou um importante contraponto às teses dos ecologistas profundos, radicais que viam no ambientalismo uma outra forma de reprodução da vida capaz (e necessária) de romper com o capitalismo.
Além disso, o autor dialoga com Michel Serres, que ficou famoso por um livro polêmico, "O Contrato Natural", em que afirma a necessidade de uma nova relação com a natureza, que teria direitos assim como os seres humanos.
Para Ferry, a ecologia profunda seria portadora da visão moral do ambientalismo por considerar a "ordem do mundo boa em si mesma", que seria degradada pela ação humana. Ou seja, estaríamos diante da sacralização da natureza, criticada também pelo economista espanhol Joan Martínez Alier em "O Ecologismo dos Pobres" [ed. Contexto].
Visões de mundo
Sustentabilidade, preservação ambiental, socioambientalismo e ecologismo dos pobres representam correntes teóricas diferentes que visam a conservar a natureza. Cada uma remete a uma visão de sociedade.
O debate sobre emissões de gases-estufa na esfera internacional, ou sobre a manutenção de áreas naturais nas propriedades rurais brasileiras, mostra que, mesmo quando há consenso, as diferenças podem levar à falta de ação política, o que preocupa quem está disposto a edificar um outro mundo.Informação é fundamental para tomar uma posição sobre temas complexos como os ambientais. Mas, no caso do ambientalismo, é possível ir além e buscar matrizes teóricas diferentes para interpretar o mundo contemporâneo. Afinal, já existe o consenso de que é preciso preservar a vida na Terra, inclusive a humana. O problema é qual estilo de vida se quer manter.
WAGNER COSTA RIBEIRO é professor no departamento de geografia e no Instituto de Estudos Avançados da USP. É autor de "Geografia Política da Água" (ed. Annablume).
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