Carta aberta à cidade de Açailândia e às autoridades
sobre a nova aciaria em construção no Piquiá
A sabedoria popular de nossa gente ensina que o passado é lição de vida para trilhar o futuro de um povo.
Quem não lembra, por exemplo, quando a Celmar se implantou aqui em Açailândia? Eram muita promessas de empregos, solução para todos os problemas do nosso povo, dinheiro circulando no comércio com facilidade, entretanto muito pouco do que foi prometido se cumpriu.
Somos moradores da periferia de Açailândia, chegamos no Piquiá quando ainda tudo era um açaizal, rios e córregos cartão postal da cidade: trinta, quarenta anos atrás. Tempos depois, as empresas siderúrgicas implantaram-se ao lado de nossas casas.
Prometeram trabalho e desenvolvimento, mas com isso trouxeram também poluição e morte.
O povo mais humilde tinha um maravilhoso local de lazer, o Banho do Tito, que também foi fechado para a indústria, sem oferecer alternativas.
Somos sindicatos e movimentos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais na cidade e região; há muitos anos acompanhamos, entre outros, o conflito no Piquiá em busca de dignidade de vida e moradia.
Somos uma Paróquia, comunidade de comunidades, há vinte anos comprometida com a justiça, a paz e a integridade da criação na região de Açailândia. Celebrando e visitando o povo, tocamos com mão as consequências do desrespeito da legislação ambiental por parte dos empreendimentos industriais no Piquiá.
Nos perguntamos: até quando a sede de trabalho e a necessidade de sobrevivência manterão o povo refém desse modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente?
Será que não é possível um modelo de produção industrial em que trabalho e respeito à vida caminhem juntos, mesmo se fosse necessário reduzir de um pouco os enormes patamares de lucro alcançados até agora pelos donos das empresas?
Para nós, progresso é quando todos e todas ganham, quando o direito a uma vida saudável e digna é respeitado, quando o ser humano é posto em primeiro lugar e, harmonizado com o meio ambiente, é capaz de repassar às gerações presentes e futuras valores éticos e morais.
Depois de vinte anos de difícil convivência com as siderúrgicas (ainda sem filtros de manga nem tratamento das águas de defluxo), chega agora a notícia da implantação em nossa região de uma aciaria (firma para a produção de aço).
Que bom! Verticalizar a produção, valorizar nosso trabalho e nossos recursos sempre foi um objetivo comum.
Estamos porém muito preocupados e inquietos, com as seguintes grandes duvidas, às quais ninguém até agora deu resposta:
Por que antes de investir em novos empreendimentos que terão mais um impacto ambiental não se usou parte do investimento da aciaria para minimizar a poluição dos altofornos, instalar filtros anti-partículas, canalizar e reutilizar a água do resfriamento, reter a poeira da trituração do material, transferir o depósito do “pó de balão” em lugares protegidos e distantes das casas?
Qual será o impacto da aciaria sobre nossas famílias e cidade? Não queremos ser vítimas, mais uma vez, de novos gigantes poluidores além dos catorze altofornos descontrolados das siderúrgicas!
Juntamente a essa carta aberta, nossas entidades entregaram ao Ministério Público o pedido para a convocação de uma audiência pública na qual possa ser detalhado para o povo o impacto ambiental da aciaria e as condicionantes assumidas no licenciamento ambiental para o funcionamento da mesma.
O Poder Público tem um projeto político e urbanístico para a gestão desses novos implantes industriais? Qual será o impacto dessa e de outras indústrias sobre as casas e a rede viária de Piquiá e Açailândia? Que tipo de formação está sendo prevista para que nossos trabalhadores possam ter acesso às vagas de trabalho e os empreendimentos sejam genuinamente açailandenses, e não (mais uma vez) dependentes de pessoal especializado vindo de fora?
A história nos mostrou quanto é sofrida a convivência com as siderúrgicas. Não queremos esperar mais para exigir nossos direitos.
Seja bem-vinda a aciaria, mas com garantias seguras de respeito para o meio ambiente, com imediatas providências contra a poluição das siderúrgicas, com solicitude no processo de deslocamento do povoado de Piquiá de Baixo para uma nova terra e dignidade de moradia.
Paróquia São João Batista
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia
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