Por Celso Dobes Bacarji, da Envolverde
Com o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico nossa sociedade foi optando por consumir produtos cada vez mais dependentes das novas tecnologias. Hoje precisamos classificar de "orgânicos" quando queremos nos referir a alimentos produzidos sem o uso da tecnologia química, em toda a sua cadeia.
A indústria química do século 20 foi um sucesso retumbante. Uma tecnologia tão poderosa que conquistou mentes, corações e bolsos antes mesmo de se terem respondidas muitas questões sobre a sua segurança para a saúde humana e para o meio ambiente como um todo.
A sociedade foi forçada a consumir em massa produtos (não só alimentícios) impregnados de tecnologia química, como se fosse uma nova fruta, saborosa e nutritiva. Hoje, não há alimento no supermercado, fora das prateleiras de orgânicos, que não contenha desde um defensivo agrícola na sua produção até um conservante químico na sua industrialização, sem falar nas emissões de gases e outros efeitos colaterais desse modo de produção.
Estima-se que a indústria química tenha pelo menos 75 mil produtos diferentes utilizados em agrotóxicos, alimentos, remédios, plásticos, tintas, papéis, e subprodutos do petróleo. A química permite uma combinação tão fértil que todo ano esta indústria registra pelo menos mil novos produtos no mundo. Diante da falta de alternativas, e de informações, enfiaram-nos guela abaixo substâncias químicas que nunca antes haviam habitado o corpo humano. Muitas delas nem estavam presentes na natureza de forma pura.
A pergunta básica é: por que motivo somos obrigados a comer química pura? em outras palavras, esse "alimento" é bom pra quê, ou pra quem? Para a minha saúde não é, com certeza. Ou alguém tem alguma dúvida de que isso não faz bem? Também não é bom para a natureza, está mais do que claro.
Começam a crescer no mundo as discussões sobre os chamados "disruptores endócrinos". São produtos químicos sintetizados artificialmente e estrogênios naturais produzidos por plantas ou metabólitos de fungos, presentes em champus, detergentes, anticoncepcionais, remédios e outros, amplamente consumidos pela sociedade, que depois de percorrerem os esgotos e lixões dos centros urbanos contaminam o solo e os mananciais, atingem uma cadeia alimentar extensa e provocam doenças nas principais glândulas de homens e animais, inclusive câncer.
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que uma gama enorme de produtos que consumimos hoje só existem para beneficiar atividades de produção, como combater pragas, aumentar a produtividade, a vida útil antes do consumo, reduzir mão-de-obra, melhorar o "custo-benefício", enfim, vários sinônimos de "aumentar os lucros". Não há vantagens qualitativas para o consumidor. Ninguém vende defensivo agrícola fazendo propaganda de seus efeitos sobre as qualidades nutritivas dos alimentos.
Então por que comemos esses produtos? Na verdade caímos nessa armadilha aos poucos, fomos iludidos, usaram muito bem a propaganda, esconderam, omitiram e até mentiram, para fazer parecer que a indústria química, como ela é explorada hoje, é completamente inofensiva. Os desastres já foram muitos até agora: com o metil-mercurio, a talidomida, o dietilestilbestrol, o DDT, o PCB e outras sopas de letrinhas, além de tragédias como em Cubatão, na Índia e por aí vai. O balanço de custo-benefício dessa indústria para o mundo já está no vermelho há muito tempo. Mesmo assim, continuamos acreditando nesse modo de produção ganancioso e enganador.
Mas, se entramos nessa onda por falta de alternativas, ou enganados, agora não temos mais desculpa. Sabemos de todas as suas mazelas. E, além disso, já é possível imaginar uma agricultura orgânica em larga escala com inúmeras vantagens sobre agricultura química convencional, entre elas, talvez a mais importante, a sua capacidade de a geração de empregos. Da mesma forma as outras atividades orgânicas como a pecuária, a piscicultura, a criação de frangos, suínos e a florestal.
A produção orgânica não é uma atividade simples e fácil de ser desenvolvida como a princípio se pressupõe. Ela também exige conhecimento e tecnologia, além da mão de obra mais intensiva. No contexto de uma economia verde, talvez seja uma das atividades que tem maior potencial de geração de renda. E, se praticada em escala, tem condições de reduzir significativamente seus custos, barateando seu preço final.
Uma pesquisa feita pela Market Analysis revela que cerca de 17% dos consumidores urbanos brasileiros já optaram pelos produtos orgânicos, embora o mercado ainda seja abastecido por apenas 2% do total de produtores agrícolas do país. Ou seja, a demanda por esse tipo de alimento já é alta e vem crescendo rapidamente. São mais de 3,5 milhões de brasileiros consumindo produtos orgânicos entre uma e cinco vezes por semana, segundo a pesquisa, realizada nas nove principais capitais do país, na faixa etária entre 18 a 69 anos. Só em São Paulo são mais de um milhão de consumidores, número expressivo, considerada a faixa etária.
A produção de orgânicos tem-se tornado um negócio tão atraente que conquistou rapidamente as redes de supermercados. O diretor da pesquisa da Market Analysis, Fabian Echegaray, diz que a venda desse tipo de produto deixou de ser exclusiva de feiras ecológicas, de rua, ou de lojas especializadas, e ganhou as prateleiras das grandes redes de supermercado. Segundo a pesquisa, 77% dos entrevistados adquirem produtos orgânicos nos supermercados.
A agricultura orgânica é uma das atividades econômicamente em alta, atualmente, que tem o maior potencial para atender necessidades específicas e urgentes dos países pobres e emergentes, onde uma grande parcela da população rural é desprovida de recursos econômicos e tecnológicos para desenvolver uma agricultura química e mecanizada.
No caso do Brasil, calcula-se que através de políticas públicas apropriadas seria possível absorver nessa modalidade de produção 70% os agricultores familiares hoje excluídos da agricultura química. Bastaria vontade política e investimentos especialmente no treinamento dessa população nos princípios da agricultura orgânica, que aborda a propriedade rural como um organismo.
Não há, portanto, justificativas plausíveis para que continuemos a produzir movidos pela máquina da agricultura química e dependentes dela. Claro que não podemos sair de um sistema tão complexo de produção para outro, completamente diferente, de uma hora para outra. Claro que é preciso caminhar mudando. Mudando hábitos de consumo, mudando a forma de ver o mundo, a economia e, principalmente, a ciência.
Temos feito a carroça da economia andar na frente dos bois, há muito tempo, especialmente a partir do século passado. Não é possível que a ciência seja arrastada pelos interesses econômicos, instrumentando alucinadamente novas tecnologias, para girar o mercado e concentrar renda. Seu verdadeiro papel não é
fomentar a máquina da produção a qualquer custo, e sim encontrar soluções para que todos tenham acesso a uma produção saudável e sustentável.
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