terça-feira, 25 de maio de 2010

AGROTÓXICOS É PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA




“Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas.

O Brasil bateu recorde no consumo de agrotóxicos no ano passado. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola. O país ocupa o primeiro lugar na lista de países consumidores desses produtos químicos.

Com a aplicação exagerada nas lavouras no Brasil, o uso de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transforma em um problema de saúde pública.

“Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas”, afirma o médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati, em entrevista exclusiva à Página do MST.

O pesquisador da Fiocruz, doutor em saúde e ambiente fez estudos sobre os impactos dos agrotóxicos no Mato Grosso, que demonstram que nas regiões com maior utilização de agrotóxicos é maior a incidência de problemas de saúde agudos e crônicos.

Por exemplo, intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia, distúrbios endócrinos, neurológicos, cardíacos, pulmonares e respiratórias, além de doenças subcrônicas, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão.

Abaixo, leia a entrevista com o professor Wanderlei Antonio Pignati.

Em 2009, o Brasil utilizou mais de 1 bilhão de litros de agrotóxicos. Por que a cada safra cresce a quantidade de venenos jogados nas lavouras?

O consumo de agrotóxicos dobrou nos últimos 10 anos. Passamos a ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos. No Mato Grosso, 105 milhões de litros de agrotóxicos foram usados na safra agrícola passada, com uma média de 10 litros por hectare de soja ou milho e 20 litros por hectare de algodão. Tem vários municípios que usaram até 7 milhões de litros em uma safra. Isso traz um impacto muito grande para a saúde e para o ambiente. A utilização tem aumentado porque a semente está dominada por seis ou sete indústrias no mundo todo, inclusive no Brasil. Essas sementes são selecionadas para que se utilize agrotóxicos e fertilizantes químicos. Isso para aumentar a produtividade e os lucros dessas empresas do agronegócio. Paralelamente, vem aumentando também o desmatamento, com a plantação de novas áreas, aumentando a demanda por agrotóxicos e fertilizantes químicos. No Mato Grosso, passou de 4 milhões para 10 milhões de hectares plantados na última safra. O desmatamento é a primeira etapa do agronegócio. Depois entra a indústria da madeira, a pecuária, a agricultura, o transporte e o armazenamento. Por fim, a verdadeira agroindústria, com a produção de óleos, de farelo e a usina de açúcar, álcool, curtumes, beneficiamento de algodão e os agrocombustíveis, que fazem parte do agronegócio. Isso vem se desenvolvendo muito, pela nossa dependência da exportação. Isso tudo fez com que aumentasse o consumo de agrotóxicos no Brasil.

Quanto mais avança o agronegócio, maior o consumo de agrotóxicos?

Sim. As sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem sementes livres desses produtos. Não criam sementes resistentes a várias pragas, sem a necessidade de agrotóxicos. Não fazem isso, porque são produtores de sementes e agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos. Com os transgênicos, a situação piora mais ainda. No caso da soja, a produção é resistente a um herbicida, o glifosato, conhecido como roundup, patenteado pela Monsanto. Aí o uso é duas ou três vezes maior de roundup na soja. Isso também aumenta o consumo de agrotóxicos.

Mas a CTNBio liberou diversas variedades de transgênicos, com o argumento de que se diminuiria a necessidade de agrotóxicos...

É só pegar o exemplo da soja transgênica, que não é resistente a praga nenhuma, para perceber como é mentira. Temos que desmascarar a nível nacional e internacional. A soja transgênica não é resistente a pragas, mas a um herbicida, o glifosato. Então, é ainda maior a utilização de agrotóxicos. Eles usam antes de plantar, depois usam de novo no primeiro, no segundo e no terceiro mês. Dessa forma, aumenta em três vezes o uso do herbicida na soja transgênica. Agora vem o milho transgênico, que também é resistente ao glifosato. Com isso, vai aumentar ainda mais o consumo de agrotóxicos. Em geral, os transgênicos resistentes a pragas ainda são minoria.

Quais os efeitos dos agrotóxicos para a saúde e para o ambiente?

Os impactos negativos são no trabalhador, que aplica diretamente, na sua família, que mora dentro das plantações de soja, na periferia da cidade, porque a pulverização é quase em cima das casas. Tem também o impacto no ambiente, com a contaminação por agrotóxicos das águas. Ficam resíduos dos agrotóxicos nos poços artesianos de água potável, nos córregos, nos rios, na água de chuva e no ar. Isso faz com que a população absorva esses agrotóxicos.

Quais as consequências?

São agravos na saúde agudos e crônicos. Intoxicações agudas e crônicas, má formação fetal de mulheres gestantes, neoplasia (que causa câncer), distúrbios endócrinos (na tiroide, suprarrenal e alguns mimetizam diabetes), distúrbios neurológicos, distúrbios respiratórias (vários são irritantes pulmonares). Nos lagos e lagoas, acontece a extinção de várias espécies de animais, como peixes, anfíbios e répteis, por conta das modificações do ambiente por essas substâncias químicas. Os agrotóxicos são levados pela chuva para os córregos e rios. Os sedimento ficam no fundo e servem de alimentos para peixes, répteis, anfíbios, causando impactos em toda a biota em cima da terra.

Como vocês comprovaram esses casos?

Para fazer a comprovação desses casos, é preciso comparar dados epidemiológicos de doenças de regiões que usam muito agrotóxico com outras que usam pouco. Por exemplo, nas três regiões do Mato Grosso onde mais se produz soja, milho e algodão há uma incidência três vezes maior de intoxicação aguda por agrotóxicos, comparando com outras 12 regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Analisando por regiões o sistema de notificação de intoxicação aguda da secretaria municipal, estadual e do Ministério da Saúde, percebemos que onde a produção é maior, há mais casos de intoxicação aguda, como diarréia, vômitos, desmaios, mortes, distúrbios cardíacos e pulmonares, além de doenças subcrônicas que aparecem um mês ou dois meses depois da exposição, de tipo neurológico e psiquiátricos, como depressão. Há agrotóxicos que causam irritação ocular e auditiva. Outros dão lesão neurológica, com hemiplegia, neurite da coluna neurológica cervical. Além disso, essas regiões que produzem mais soja, milho e algodão apresentam incidência duas vezes maior de câncer em crianças e adultos e malformação em recém nascidos do que nas outras regiões que produzem menos e usam menos agrotóxicos. Isso porque estão usando vários agrotóxicos que são cancerígenos e teratogênicos.

Qual o perigo para os consumidores de alimentos? Quais as iniciativas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)?

A Anvisa está fazendo a revisão de 16 agrotóxicos, desde que lançou um edital em 2008. Quatorze deles são proibidos na União Europeia, nos Estados Unidos e Canadá por serem cancerígenos, teratogênicos, causam distúrbios neurológicos e endócrinos. Nessa revisão, já tem um resumo desses agrotóxicos, que são proibidos lá fora. Mas aqui são vendidos livremente, mesmo se sabendo desses efeitos crônicos. A Anvisa tem o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em alimentos, no qual faz a análise de 20 alimentos desde 2002. Nesses estudos, acharam resíduos nos alimentos, tanto de agrotóxicos não proibidos como acima do limite máximo permito. O endosulfan, por exemplo, é um inseticida clorado, que é cancerígeno e teratogênico, proibido há 20 anos na União Europeia, nos EUA e no Canadá. Não é proibido no Brasil, sendo muito usado na soja e milho. Esse limite máximo de resíduos é questionável, porque a sensibilidade é individual. Para uma pessoa, o limite máximo para desenvolver uma doença é 10 mg por dia e para outra basta 1 mg. Sem contar a contaminação na água, no ar, na chuva, porque devemos juntar todos esses fatores.

Como você avalia a legislação brasileira para os agrotóxicos e o trabalho da Anvisa?

A Anvisa vem fazendo um bom trabalho, com base na legislação. No entanto, todo dia os grandes burlam a lei. Não só a lei nacional sobre agrotóxicos, mas também o Código Florestal, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (que obrigada a dar os equipamentos aos trabalhadores), as normas do Ministério da Agricultura (que impede a pulverização a menos de 250 metros da nascente de rios, córregos, lagoas e onde moram animais ou habitam pessoas). No Mato Grosso, passam todos os tipos de agrotóxicos de avião, não respeitando as normas.

Os fazendeiros dizem que, se usar corretamente os agrotóxicos, não há perigo.

Tem problema sim. Se o trabalhador ficar como um astronauta, usando todos os equipamentos de proteção individual necessário, pode não prejudicar a sua própria saúde, mas e o ambiente? Todo agrotóxicos é tóxico, tanto da classe um como da classe quatro. Aonde vai o resíduo desse agrotóxico? Vai para a chuva, para os rios, para os córregos, para o ar e evapora e desce com a chuva. Não existe uso seguro e correto dos agrotóxicos para o ambiente. Temos que discutir que o uso de agrotóxicos é intencional. As ditas pragas da lavoura – que eu não chamo de pragas – seja um inseto, uma erva daninha ou um fungo, crescem no meio da plantação. Aí o fazendeiro polui o ambiente intencionalmente para tentar atingir essas pragas. Não tem como ele retirar especificamente as pragas, colocar em uma redoma e aplicar o agrotóxico. Ou seja, ele polui de maneira intencional o ambiente da plantação, o ambiente geral, o trabalhador e a produção. Uma parte dessa agrotóxicos fica nos alimentos.

As indústrias do agronegócio argumentam que é necessário o uso de grandes quantidades de agrotóxicos porque o Brasil é um país tropical, com grande diversidade climática. É verdade?

Não tem uma necessidade maior. Não é que o Brasil precise de mais por conta dessa questão climática. Nas monografias dos agrotóxicos, tem uma temperatura ideal para passar, em torno de 20º e 25º. Onde tem essa temperatura no Mato Grosso, por exemplo? Dá mais de 30 graus. Com isso, essas substâncias evaporam e usam ainda mais. Em vez de usar dois litros, colocam 2,5 litros por hectare. É um argumento falso. Tem que colocar agrotóxico porque a semente é dependente. Existem formas de fazer uma produção em grande escala sem a semente dependente de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Há vários exemplos no mundo e no Brasil. Mas 99% de toda a nossa produção agrícola depende das sementes da indústrias, que não faz a seleção para não precisar de químicos.

Dentro desse quadro, qual é a tendência?

A tendência é aumentar a utilização de agrotóxicos. Por isso, é preciso uma política mais contundente do governo, dos movimentos de agroecologia e dos consumidores, que cada vez mais consomem agrotóxicos. É preciso discutir o modelo de produção agrícola que está ai. Com o milho transgênico, vai se utilizar mais glifosato. Há um clico de aumento dos agrotóxicos que não vai ter fim. Se analisar a resistência das pragas, há ervas daninhas resistentes ao glifosato. No primeiro momento, se aumenta a dose para vencer a praga. Em vez de cinco litros por hectare, usam sete litros. Num segundo momento se usa um herbicida ainda mais forte ou mais tóxico para combater a erva daninha resistente ao agrotóxico mais fraco. Isso não tem fim. Há grandes áreas de ervas daninhas resistentes nos Estados Unidos, na Argentina e está chegando no Brasil, no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Mato Grosso. É um modelo insustentável.

Por: Igor Felippe Santos- MST

www.mst.org.br

CIDADES QUE MAIS DESMATARAM O CERRADO NÃO CONSEGUIRAM CRESCER

As fronteiras agrícolas que ocuparam o Centro-Oeste brasileiro, o norte de Minas Gerais, o oeste da Bahia e o sul do Maranhão e do Piauí sempre foram sinônimo de desenvolvimento econômico e de desmatamento do cerrado, o segundo maior bioma do país e o que sofre a devastação mais veloz e impiedosa. A chegada das plantações de soja a perder de vista — e do milho, do algodão e do gado, em menor escala — foi festejada como a razão do crescimento econômico na região, o que justificaria o desastre ambiental de quase metade do bioma já estar devastado.

Um levantamento do crescimento da produção econômica e da renda das famílias nos 50 municípios que mais desmataram o cerrado entre 2002 e 2008 mostra que, na verdade, o desmatamento empreendido nessas cidades não resultou no desenvolvimento esperado. Em alguns casos, a devastação e o modelo de monoculturas chegaram a provocar uma regressão no Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios.

O Correio analisou o movimento da economia em cada uma das 50 cidades que mais devastaram o cerrado em sete anos. Sozinhos, esses municípios desmataram 12,4 mil quilômetros quadrados de vegetação, o equivalente a mais de duas áreas do tamanho do Distrito Federal. A retirada da mata nativa para novas plantações de soja e milho e para novas áreas de pastagem não se traduziu em um desenvolvimento das economias locais acima da média registrada nos outros municípios dos estados, onde o desmatamento não chegou aos níveis detectados nesses 50 maiores desmatadores. Quando se analisa o desempenho dos ganhos individuais dos moradores desses municípios, a influência do desmatamento na geração de riqueza é ainda menor.

As cidades que mais desmataram o cerrado entre 2002 e 2008 estão em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Maranhão, Bahia, Minas Gerais e Tocantins. Em 66% desses municípios, o PIB cresceu menos do que o aumento registrado nos estados entre 2003 e 2007, conforme dados atualizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o PIB per capita, que é o valor do PIB para cada morador do município, teve uma evolução inferior às médias dos estados em 68% das cidades que mais desmataram o cerrado no período.

Depois de a soja modificar os cenários em municípios antes inexpressivos no Maranhão, no Piauí e em Mato Grosso, a dependência exclusiva à monocultura — que substituiu grandes pedaços de mata nativa de Cerrado — gerou uma retração da economia. A evolução do PIB per capita chegou a ser negativa em Balsas, Tasso Fragoso e Alto Parnaíba, no Maranhão; Ipiranga do Norte e Tapurah, em Mato Grosso; e Ribeiro Gonçalves, no Piauí.

Por: Vinicius Sassine

www.correiobraziliense.com.br

segunda-feira, 24 de maio de 2010

MONSANTO E O PROJETO VENCEDOR NO HAITI

Transnacional estadunidense é acusada de doar 475 toneladas de milho geneticamente modificado ao país afetado pelo terremoto de 12 de janeiro


Thalles Gomes

de Porto Príncipe (Haiti)


Sementes transgênicas estariam sendo doadas ao Haiti pela empresa estadunidense Monsanto. A denúncia foi feita, em 10 de maio, em artigo escrito pelo padre inglês Jean-Yves Urfié, ex-professor de química do Collège Saint Martial, em Porto Príncipe, capital do país.

“A empresa transnacional Monsanto está oferecendo aos agricultores do país um presente mortal de 475 toneladas de milho transgênico, junto com fertilizantes associados e pesticidas, que serão entregues gratuitamente pelo Projeto WINNER [Vencedor, em inglês], com o respaldo da embaixada dos Estados Unidos no Haiti”, alertou.

Segundo ele, a transnacional Monsanto já começou a distribuir sementes de milho transgênicas nas regiões de Gonaives, Kenscoff, Pétion-Ville, Cabaré, Arcahaie, Croix-des-Bouquets e Mirebalais.

A forte repercussão dessa denúncia obrigou o ministro da Agricultura do Haiti, Joanas Ford, a convocar uma coletiva de imprensa para o dia 12 de maio, em Porto Príncipe. “O Haiti não tem a capacidade para gerenciar os OGM [Organismos Geneticamente Modificados]”, afirmou, antes de desmentir que a doação da Monsanto fosse de milho transgênico – segundo ele, as sementes são, na verdade, híbridas, “tecnologia” antecessora dos transgênicos.

“Nós tomamos todas as precauções antes de aceitar a oferta feita pela multinacional Monsanto para fazer uma doação de 475,947 kg de sementes de milho híbrido e 2.067 kg de sementes de hortaliças. Devemos também mencionar que, na ausência de uma lei que regulamenta a utilização de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) no Haiti, não posso permitir a introdução de sementes ‘Roundup Ready’ ou qualquer outra variedade de transgênicos”, enfatizou o ministro.

Campanha

Segundo Ford, as sementes híbridas oferecidas pela Monsanto são adaptadas às condições tropicais do Haiti. A doação integra uma campanha do Ministério da Agricultura para revitalizar o setor agrícola depois do terremoto de 12 de janeiro. Para tanto, informa o ministro, mais de 65 mil hectares de terra estão sendo beneficiados com tratores para o preparo do solo, fertilizantes, defensivos agrícolas e formação para os agricultores.

A própria Monsanto se viu obrigada a se pronunciar sobre o caso. “Nós acreditamos que a agricultura é a chave para a recuperação a longo prazo do Haiti”, afirmou a transnacional, em nota publicada em sua página na internet. “Após o desastre, a Monsanto doou dinheiro para a recuperação”, continua a nota, “mas, era evidente que a doação de nossos produtos – milho e sementes de hortaliças de qualidade – poderia realmente fazer a diferença na vida dos haitianos”.

Foi imbuída desse “espírito de generosidade” que a maior fornecedora de sementes do mundo resolveu doar ao Haiti o equivalente a 4 milhões de dólares em sementes de milho híbrido, repolho, cenoura, berinjela, melão, cebola, tomate, espinafre e melancia. Sessenta toneladas dessas sementes chegaram em território haitiano na primeira semana de maio. Outras 70 toneladas aportaram na capital Porto Príncipe no dia 13 de maio. A previsão é que, para os próximos 12 meses, mais 345 toneladas de sementes híbridas de milho sejam distribuídas para os agricultores do país.

Tática empresarial

O terremoto de 12 de janeiro causou a morte de 300 mil pessoas e desabrigou mais de um milhão de haitianos. Suas consequências foram devastadoras. Mas, apesar de ter alcançado sete graus na escala Richter, é bem pouco provável que o tremor de terra tenha abalado as estruturas de funcionamento de uma empresa transnacional como a Monsanto.

A doação das 475 toneladas de sementes híbridas pode ser propagandeada como uma ação de generosidade da transnacional com o povo haitiano. Todavia, se forem analisadas as condições em que essa doação está sendo feita, a generosidade se converte em mera tática empresarial para aumento de divisas.

O lucro da Monsanto no trimestre que se encerrou em 28 de fevereiro de 2010 foi de 887 milhões de dólares. No mesmo período do ano passado, o lucro fora de 1,09 bilhão, o que significa uma queda de 19%. Segundo o diretor executivo da transnacional, Hugh Grant, o principal motivo desse decréscimo foi a diminuição nas vendas de herbicidas e produtos químicos.

Em conferência a analistas, no início de abril, Grant afirmou que não poderia recorrer ao aumento de preços para reverter a situação, já que os agricultores não parecem dispostos a pagar preços mais altos pelas novas linhas de sementes transgênicas, algumas das quais duas vezes mais caras do que as variedades mais cultivadas hoje. “O retorno que estou tendo dos fazendeiros é o de que, se nossos preços forem diferentes, a curva de adoção das sementes será diferente”, disse.

Abrindo mercados

Não sendo possível aumentar o preço dos seus produtos, a única saída para a Monsanto reverter a queda na sua taxa de lucros é a abertura de novos mercados consumidores. Não é a toa que, pouco menos de um mês após a conferência de Hugh Grant, as sementes da Monsanto aportaram no Haiti.

O que não foi dito nem pela Monsanto, nem pelo Ministério da Agricultura haitiano, é que essas sementes híbridas de milho só poderão cumprir suas promessas de produtividade e adaptação ao clima tropical haitiano se forem tratadas com herbicidas, fertilizantes e produtos químicos específicos, que, não por acaso, são produzidos pela própria Monsanto. Isso significa que os agricultores haitianos que as receberem só conseguirão torná-las produtivas se adquirirem os herbicidas e fertilizantes da Monsanto.

Além disso, as famílias camponesas não poderão reaproveitar as sementes que brotarem desse milho, já que uma das características das sementes híbridas é que apenas a sua primeira geração é adequada para o plantio. Se quiserem continuar produzindo na próxima safra, os camponeses terão de comprar novas sementes da Monsanto.

Nesse ritmo, com o aumento do consumo de sementes e, consequentemente, de herbicidas, fertilizantes e produtos químicos da Monsanto, a previsão do Padre Jean-Yves Urfié poderá se tornar realidade: “Em breve, haverá apenas sementes da Monsanto no Haiti. Então, será o fim da independência dos agricultores”.

Vencedor

A Monsanto não está sozinha nessa empreitada. O transporte e toda logística de distribuição das sementes está a cargo de outras duas empresas estadunidenses, a Kuehne + Nagel Emergency and Relief Logistics e a UPS Foundation.

Ken Sternad, presidente da UPS, fez questão de se pronunciar sobre essa ação: “Como parte de nossos esforços contínuos para apoiar a recuperação do Haiti, a UPS tem o orgulho de doar os nossos serviços para os navios de sementes, já que o país começa a se mover em direção à construção de um futuro sustentável”.

Esse “futuro sustentável” de que fala Sternad, e que vem atraindo o interesse de tantas empresas estrangeiras, está consolidado no Projeto WINNER. Lançado em 08 de outubro de 2009 pela USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), o projeto investirá 126 milhões de dólares, nos próximos cinco anos, para construir uma nova infra-estrutura agrícola no Haiti, com o objetivo de aumentar sua produtividade. Para tanto, irá fornecer assistência técnica especializada, além de serviços técnicos e insumos agrícolas, como pesticidas e fertilizantes.

Atores por trás

É por intermédio desse projeto que serão distribuídas as 475 toneladas de sementes da Monsanto. De fato, tais sementes não chegarão diretamente às mãos dos camponeses haitianos. Elas serão destinadas, primeiramente a lojas geridas pela USAID. Depois, serão vendidas por um preço “significativamente reduzido” às famílias camponesas. “Nossa meta é atingir 10 mil agricultores nesta temporada”, informou Jean Robert Estime, diretor responsável pelo Projeto WINNER. “As sementes ajudarão a alimentar e fornecer oportunidades econômicas para os agricultores, suas famílias e a comunidade em geral”.

Para compreender que tipo de “oportunidades econômicas” são essas, é preciso elucidar quem são os atores por trás do Projeto WINNER. Jean Robert Estime, por exemplo, serviu como ministro das Relações Exteriores durante os 29 anos da ditadura Duvalier no Haiti, época em que foram assassinados mais de 30 mil haitianos e o país abriu suas portas para os produtos alimentícios estrangeiros. Graças a essa abertura, a nação caribenha importa, hoje, 80% dos alimentos que consome.

Arquiteta e coordenadora do WINNER, a USAID é uma agência governamental estadunidense criada em 1961. Segundo sua página oficial na internet, tem a missão de “promover os interesses da política externa dos Estados Unidos na expansão da democracia e dos mercados livres, melhorando a vida dos cidadãos do mundo em desenvolvimento”. Com sede em Washington/DC, a USAID está presente nas cinco regiões do mundo. Seu trabalho apoia “o crescimento econômico e os avanços da política externa dos Estados Unidos”.

Novo terremoto

“Trata-se de um novo terremoto, mais perigoso a longo prazo do que o que ocorreu em 12 de janeiro. Não se trata de uma ameaça, mas de um ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente”, denuncia Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana.

Chavannes acusa o governo haitiano de estar aproveitando o terremoto para vender o país às forças imperialistas e às empresas transnacionais. “Não podemos aceitar isso”, adverte. “Devemos iniciar já a mobilização contra esse projeto, contra a Monsanto no Haiti. Necessitamos de uma unidade interna forte e uma forte solidariedade internacional para enfrentar a Monsanto e todas as forças da morte que querem acabar com a soberania total desse pequeno país, que conquistou sua independência com o sangue de seus filhos e de suas filhas desde 1804”.

Como primeiro passo desse enfrentamento, o MPP convocou os camponeses a enterrar e queimar todas as sementes de milho provenientes do Ministério da Agricultura. Além disso, uma grande marcha está sendo planejada pela Via Campesina Haiti para os dias 4 e 5 de junho, na ocasião do Dia Internacional do Meio Ambiente. A marcha partirá da região de Papay e terá como destino a cidade de Hinche, capital do departamento Central.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A REDE MANDIOCA E O APOIO DO BANCO DO NORDESTE

Em 2009 iniciamos uma rodada de negociação com os representantes do Banco do Nordeste na perspectiva de buscar apoio financeiro com o objetivo de fortalecer as mais diversas iniciativas de desenvolvimento local sustentável trabalhada pela Cáritas Brasileira nas mais diversas regiões do País.

A princípio participaram desse primeiro momento representantes dos Regionais do Maranhão, Minas Gerais, Espírito Santo, Nordeste 2,(Pernambuco, Paraíba Alagoas e Rio Grande do Norte) Nordeste 3 (Bahia e Sergipe), Piauí e Ceará

No Regional Maranhão o foco do apoio foi a REDE MANDIOCA, hoje presente em 29 municípios e em mais de 70 Comunidades Rurais que passarão a ter assessoramento técnico a partir da contratação de profissionais habilitados para orientar os grupos a trabalharem de forma mais sustentável a partir dos princípios da agroecologia e da Economia Solidária.

A Rede Mandioca é coordenada por um grupo composto de 14 membros, sendo 2 representantes por região. As regiões de atuação da Rede Mandioca são as seguintes: Região dos Cocais, do Médio Mearim, do Baixo Parnaíba, Central, da Baixada, do Vale do Pindaré e Tocantina, tendo a plenária estadual como espaço central de discussões e decisões técnicas e políticas.

O projeto irá trabalhar em duas frentes: a primeira no fortalecimento dos arranjos produtivos autogestionários ampliando e melhorando a qualidade da produção, do beneficiamento e da comercialização dos produtos da agricultura familiar nos municípios das dioceses de Coroatá, Brejo, Viana, Balsas, e Grajaú, todos integrante da Rede Mandioca, construindo e equipando cinco novas casas de farinha bem como acompanhamento técnico as atividades de gestão e produção.

A segunda frente está voltada para a capacitação e formação de jovens e lideranças comunitárias em empreendimentos autogestionados à luz da Economia Popular Solidária para o fortalecimento de grupos produtivos autogestionados e autossustentáveis no Maranhão, na Arquidiocese de São Luís e nas dioceses de Coroatá (nos municípios de Coroatá, São Mateus, Codó e Vargem Grande), Brejo (nos municípios de Brejo, São Bernardo, Magalhães de Almeida), Bacabal (nos municípios de Pedreiras, Lago da Pedra e Trizidela do Vale), Viana (nos municípios de Viana, Bom Jesus da Selva, Buriticupu, Monção, Cajapió, Penalva), Imperatriz (nos municípios de Imperatriz, Açailândia, João Lisboa, Amarante), e Balsas (no município de Balsas, São Raimundo das Mangabeiras e Loreto).

Serão abordados diversos temas no processo de capacitação /formação dos jovens e lideranças das comunidades:
 Realizar o Gerenciamento do projeto com atividades de Planejamento, Monitoramento e Avaliação;
 Capacitar agentes de desenvolvimento da Economia Popular Solidária;
 Capacitar trabalhadores (as) rurais em beneficiamento, comercialização,
marketing e gestão de empreendimentos solidários;
 Capacitar jovens como agentes multiplicadores em Comércio Justo e Solidário;
 Capacitar jovens como agentes multiplicadores em Agroecologia; e
 Capacitar jovens como agentes multiplicadores em Finanças Solidárias

Acreditamos que a Rede Mandioca irá dar um salto quantitativo e qualitativo nas suas ações ampliando o seu espaço de atuação e trabalhando no reconhecimento e valorização da agricultura familiar no Estado do Maranhão a partir dos princípios básicos da Economia Solidária e da agroecologia na perspectiva de construção de uma sociedade mais sustentável, garantindo melhores condições de vida para as futuras gerações.

Jaime Conrado de Oliveira
Cáritas Brasileira Regional Maranhão
Assessor de DSST

FOTOS DA III PLENÁRIA DA REDE MANDIOCA EM BARRA DO CORDA MARANHÃO



terça-feira, 18 de maio de 2010

REDE MANDIOCA REALIZA PLENÁRIA NO MARANHÃO





Zema Ribeiro*
Aproximadamente 100 lideranças comunitárias rurais participaram da III Plenária Estadual da Rede Mandioca, realizada entre os dias 22 e 24 de abril, no Auditório Raimundo F. Araújo, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Barra do Corda/MA. Os presentes representavam os 69 grupos, comunidades e associações filiados à Rede, já presente em 24 municípios maranhenses: Alto Alegre do Pindaré, Araioses, Bacabal, Balsas, Barra do Corda, Brejo de Areia, Buriticupu, Bom Jesus das Selvas, Cajapió, Codó, Duque Bacelar, Itapecuru-Mirim, Lago da Pedra, Magalhães de Almeida, Monção, Pedreiras, Penalva, São Luiz Gonzaga, São Mateus, São Bernardo, Trizidela do Vale, Tutóia, Vargem Grande e Viana.

A Rede Mandioca é uma articulação estadual de organizações formais e informais de agricultores e agricultoras familiares que atuam diretamente no cultivo, manejo, beneficiamento e comercialização da mandioca e seus derivados. Sua instituição é reflexo direto da falta de políticas públicas voltadas ao cultivo da mandioca, que integra em cerca de 50% a base alimentar da população maranhense.

Coordenada por um grupo de 14 membros – eleitos na plenária –, sendo dois representantes de cada microrregião maranhense (Baixada, Baixo Parnaíba, Central, Cocais, Mearim, Tocantina, Vale do Pindaré), a Rede Mandioca tem como objetivos estimular junto aos grupos de agricultores e agricultoras sua participação na Rede Mandioca do Maranhão, garantindo maior visibilidade do cultivo, melhorando a qualidade da produção e consequentemente a renda das famílias, buscando sobretudo, viabilizar a comercialização através da Rede nas perspectivas da economia solidária.

Durante os três dias foram discutidas e visitadas experiências de desenvolvimento local sustentável. “O propósito das discussões e das visitas é tentarmos construir, de forma coletiva, iniciativas que possam garantir a sustentabilidade das futuras gerações de forma responsável”, afirmou Jaime Conrado de Oliveira, Assessor da Cáritas Brasileira Regional Maranhão, instituição responsável pelo apoio e assessoria à Rede Mandioca.

O professor Wagner Cabral, do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, contribuiu com reflexões acerca da relação entre a pobreza no Maranhão e a implantação dos ditos grandes projetos, diretamente relacionados ao domínio político oligárquico propagandeado e “legitimado” por um discurso político modernizador, violador dos direitos humanos, entre outros aspectos.

Ainda de acordo com o professor, entre 1995 e 2006, de acordo com pesquisa do também professor Marcelo Carneiro, o Maranhão perdeu 259.630 agricultores familiares, que tiveram que deixar suas terras. O percentual representa 24,25% do número total de pequenos produtores rurais do estado.

Edital

A experiência da Rede Mandioca conta com apoio financeiro do Banco do Nordeste, fruto de convênio para a realização da pesquisa “Rede Mandioca: articulação, produção, beneficiamento e comercialização da mandioca em comunidades de baixa renda”, desenvolvida pela Cáritas Brasileira Regional Maranhão.

Durante a III Plenária Estadual da Rede Mandioca foi lançado um edital para a contratação de três técnicos em agropecuária para o projeto “Fortalecimento em arranjos produtivos solidários e autogestionados”. Os profissionais selecionados atuarão no apoio e assessoria técnica a membros da Rede Mandioca.

Edital e maiores informações podem ser solicitados pelo e-mail caritas@elo.com.br, mesmo endereço eletrônico para onde devem ser enviados, até 30 de abril (sexta-feira), os currículos dos interessados em concorrer às vagas.

*Assessor de comunicação da Cáritas Brasileira Regional Mara