sábado, 6 de junho de 2009

AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

O anúncio das verbas destinadas aos setores de agronegócio e agricultura familiar, para os anos de 2009 até 2010, apontou uma profunda diferença entre os investimentos. O agronegócio brasileiro receberá R$ 93 bilhões, mais de seis vezes o valor destinado à agricultura familiar – que foi de R$ 15 bilhões. O destino e a quantidade das verbas geraram reação negativa de organizações do campo.

A Via Campesina – organização que reúne movimentos sociais de quatro continentes – acredita que o agronegócio significa um ataque à soberania alimentar dos países. Para o movimento, o Brasil tem investido em um modelo ultrapassado, com a conivência do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Em entrevista à Radioagênca NP, a integrante da Via Campesina, Maria Costa, fala sobre os impactos das políticas brasileiras para o campo.

Radioagência NP: Maria, qual a leitura que a Via Campesina faz do agronegócio no Brasil?

Maria Costa: É um projeto que tem causado bastante transtorno para o povo brasileiro. Nós temos no país um quadro onde 200 hectares de soja empregam apenas uma pessoa. Há uma falácia que o setor do agronegócio contribui para o desenvolvimento do país. A agricultura camponesa, familiar e a reforma agrária são os setores no campo que geram o maior número de empregos por área.

RNP: O que você tem a dizer sobre os atuais números das verbas liberadas para o financiamento do agronegócio e da agricultura familiar?

MC: Nós somos responsáveis por mais de 70% da produção de alimentos neste país. Passar R$ 93 bilhões de reais para o agronegócio, que continua endividado, gerando despesas mesmo recebendo um volume de subsídio enorme do Estado brasileiro, é preocupante. Isso significa que vamos continuar por um caminho que a história está mostrando que não está certo. Em contrapartida, R$ 15 bilhões, para nós, continua sendo extremamente pouco. A diferença entre o que foi investido na agricultura camponesa, o ano passado, e o que foi investido no agronegócio e o que foi investido esse ano, aumentou consideravelmente. Ano passado, tivemos R$ 13 bilhões e eles, R$ 65 bilhões. Se continuarmos neste caminho, não sabemos onde o Brasil vai parar.

RNP: O ministro da agricultura, Reinhold Stephanes, declarou que o agronegócio está tendo o papel de segurar os efeitos da crise no Brasil, sendo responsável por uma balança comercial favorável. Como a Via Campesina avalia o posicionamento do ministro?

MC: O ministro Reinhold Stephanes está defendendo o público dele. Nós discordamos dessas defesas, porque o que o agronegócio representa na balança comercial ignora os grandes desastres e aquilo que a sociedade brasileira, principalmente na questão ambiental e social, tem pagado para o que ele representa. Com a crise mundial, não podemos deixar de computar essas questões.

RNP: Qual agravamento no campo que a Via Campesina visualiza com a atual crise mundial, em relação com o agronegócio?

MC: A crise traz a responsabilidade de garantir comida para os mais afetados por ela, e isso não aparece nos dados na balança comercial que ele apresenta. Teremos um acirramento da produção de alimentos, pois os dados que vemos mostra que até 2050 teremos praticamente a mesma área plantada com um aumento de 30% da população mundial, ou seja, uma área esgotada por essa demanda de alimentos para a humanidade. Isso significa – e o ministro Stephanes tem que ter esse olhar - que se não investirmos em um modelo que garanta a produção de alimentos para esta demanda, ou estaremos seriamente comprometidos. Eles [setores do agronegócio e Ministério da Agricultura] não querem discutir, por exemplo, a revisão dos índices de produtividade, com resistência até do Ministério da Agricultura, e enquanto não fizermos isso, não vamos avançar neste país.

RNP: Esta política para o campo brasileiro agrava a questão ambiental no país?

MC: Está sendo colocada a responsabilidade ambiental em função desses desastres que estão acontecendo – seca no Sul, enchente no Norte e Nordeste – que vai trazer, inclusive para os programas sociais do governo, um problema sério pra questão dos alimentos e de leite. A questão ambiental tem que ser tratada com muito mais responsabilidade, pois o aquecimento global não é “estória da carochinha”, é um fato concreto. As secas no sul e enchentes no Nordeste são provas disso. O Brasil será seriamente afetado daqui para frente, e temos visto é que o agronegócio se mostra insustentável ambientalmente. O ministro Stephanes precisa ter responsabilidade com esses números, pois R$ 93 bilhões nas mãos de quem vai continuar desmatando, poluindo e colocando veneno no solo e na água, é uma responsabilidade a ser assumida pelo Ministério da Agricultura, que defende esse modelo e também por aqueles que o aplicam na ponta.

De São Paulo, da Radioagência NP, Ana Maria Amorim.

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