domingo, 7 de junho de 2009

NÃO HÁ INTEGRAÇÃO GLOBAL SEM AGRICULTURA

Por Pascal Lamy*

Todos poderíamos nos colocar de acordo sobre quais são os objetivos básicos que buscamos para nossos sistemas agrícolas. Queremos suficientes alimentos, forragens e fibras – e alguns, inclusive, querem combustíveis –, produtos nutritivos, seguros e ao alcance dos consumidores, e um decente e cada vez melhor nível de vida para nossos agricultores. Também queremos sistemas de produção em sintonia com as culturas locais e que respeitem o meio ambiente em todo o ciclo produtivo. Porém, ainda não estamos de acordo quanto à contribuição que a integração global pode dar a este processo.

A integração global permite pensar na eficiência além dos limites nacionais e conseguir avanços em nível mundial mediante a escolha dos lugares mais adequados para a produção agrícola. Enquanto alguns países dispõem de territórios férteis, agraciados pela luz do Sol e por fontes de água doce, outros ficam em territórios inóspitos e áridos. Como costumo dizer, se um país como o Egito pretende a autossuficiência agrícola precisará de mais de um rio como o Nilo. Isso significa, basicamente, que a integração global deve permitir que os alimentos sejam transportados dos países onde são produzidos de modo eficiente para nações onde há demanda por esses produtos.

Apesar desta realidade, os países não chegam a um acordo quanto a tratar a agricultura como um objeto de comércio, como uma camisa, sapatos ou pneus, e se deve ir para o mesmo regime comercial. Daí a especificidade do tema agrícola no regulamento da Organização Mundial do Comércio (OMC). A agricultura fez sua entrada neste regulamento cerca de 50 anos depois dos bens industriais e foi colocada em uma posição diferente. Por exemplo, os subsídios às exportações, que estão proibidos para os bens industriais, na área da agricultura ainda devem ser eliminados progressivamente por meio das negociações mundiais da Rodada de Doha.

Enquanto a média ponderada das tarifas alfandegárias para os bens industriais no comércio internacional é de aproximadamente 8%, na agricultura é de 25%. Esta diferença fundamental ganhou uma dimensão diferente na crise alimentar do último ano. Alguns países começaram a olhar mais para dentro e adotaram numerosas restrições às exportações. Outros começaram a olhar para o exterior, muito mais do que até então, em busca de sua segurança alimentar, em perigo por sua dependência das importações. Entretanto, nos dois casos a preocupação era a mesma: a fome.

O comércio internacional não foi a fonte da crise alimentar do ano passado. Em todo caso, o comércio internacional reduziu o preço dos alimentos através dos anos, graças a uma maior competitividade e ao aumento do poder aquisitivo dos consumidores. Apesar da falta de uma visão compartilhada sobre política comercial agrícola, o mundo está se movendo na direção correta. Isto não significa, naturalmente, que nossa tarefa esteja cumprida. Entre 2000 e 2007, as exportações agrícolas dos países em desenvolvimento para as nações desenvolvidas cresceram à razão de 11% ao ano, ou seja, mais rapidamente do que o aumento de 9% dos fluxos comerciais na direção oposta.

Esta tendência se dirige à correção de desequilíbrios históricos e ao nivelamento do campo de jogo do comércio internacional. A competitividade internacional do mundo em desenvolvimento em matéria agrícola está se convertendo em uma inegável realidade. Hoje, o mundo em desenvolvimento é o número um em rendimento de quilos por hectare em açúcar de cana e de beterraba, arroz, trigo, milho e outras matérias-primas. Embora devamos chegar a um acordo sobre uma visão comum para a política comercial agrícola, o progresso feito pelo mundo neste setor é importante.

A integração global que estimulou o crescimento econômico e levou a avanços na eficiência deve continuar. Por que, então, há certo ressentimento em relação à abertura comercial? Para mim, a resposta é clara. Porque ainda temos de construir fortes redes de segurança para os pobres do mundo. Todos os governos devem prestar atenção a esta questão. Na falta dessas redes, sempre haverá ressentimentos em tempos de crise quando se exporta as reservas de alimentos de um país.

A política comercial não pode por si mesma responder a todos os desafios que se apresentam à agricultura. Porque, no final das contas, o comércio não passa de uma simples correia de transmissão entre oferta e demanda. E tem de funcionar com pouco atrito. Além disso, é apenas um dos elementos de uma máquina muito mais complexa.

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