sexta-feira, 12 de junho de 2009

QUAL É O TERMO CORRETO PARA CLASSIFICAR ALIMENTOS SEM AGROTÓXICOS

Publicado em 14 maio 2009
Tags: informativo 100
Alimentos Orgânicos, Naturais, Biológicos, Agroecológicos, Ecológicos, Biodinâmicos ou de Permacultura?


Lentamente o consumidor brasileiro começa a acordar para a qualidade do alimento orgânico e, neste momento, ele também se depara com diversos termos (aparentemente) sinônimos que, com certeza, o confundem. Afinal qual é o melhor alimento e o que significa cada termo?

A Agricultura Orgânica teve a sua primeira legislação aprovada em 2003, através da Lei Lei 10.831 e foi recentemente regulamentada pelo Decreto 6.323/07. É hora de discutir essa questão antes que o consumidor fique ainda mais confuso.

Para iniciar essa discussão é bom saber que na legislação brasileira da Agricultura Orgânica (AO) esse termo engloba todas as diferentes correntes de agricultura alternativa ou sustentável ou ecológica. E quais são essas correntes?

As primeiras correntes de AO foram a Agricultura Biodinâmica, a Agricultura Organo-Biológica, a Agricultura Orgânica e a Agricultura Natural. A seguir, vamos nos ater brevemente a elas para compreender melhor de onde vem o termo orgânico.

Agricultura Biodinâmica
O filósofo e pesquisador austríaco Rudolf Steiner(1924) ampliou a visão da agricultura baseado na ciência espiritual da Antroposofia, chamando-a de Agricultura Biodinâmica. As idéias de Steiner foram difundidas por todo o mundo com a colaboração de E.E Pfeiffer.

Na prática, o diferencial da Agricultura Biodinâmica se faz com a utilização de preparados biodinâmicos, compostos de alta diluição elaborados na perspectiva homeopática, a partir de substâncias minerais, vegetais e animais. Os compostos biodinâmicos, além de esterco e matéria orgânica, são adicionados de plantas medicinais. Além disso, as influências cósmicas e astronômicas também são consideradas e a Biodinâmica segue um calendário de influências da lua e de outros planetas no crescimento, plantio e colheita das plantas.

Uma estreita relação com os reinos da natureza e com a fenomenologia de Goethe também está presente na Agricultura Biodinâmica, relação que embasa conceitos como o de “fazenda como organismo vivo” e “força vital ou etérica” dos alimentos, do solo e da planta.

As práticas da agricultura biodinâmica possuem seu próprio sistema de certificação, o selo Demeter de qualidade, fiscalização e credenciamento de agricultores.

Agricultura Biológica
No início dos anos 30, na Suíça, surgiu também outro movimento de agricultura a partir das idéias de um biologista e político, Hans Muller, que tinha objetivos socioeconômicos e políticos e buscava a autonomia do agricultor e a comercialização direta. O modelo foi difundido por volta dos anos 60 quando o médico Hans Peter Rusch difundiu esse método que também tinha por princípios a proteção do ambiente, a qualidade biológica dos alimentos e o desenvolvimento de fontes de energia renováveis.

Uma característica inicial dessa corrente era a de não priorizar a associação agricultura/pecuária. O uso da matéria orgânica podia vir de outras unidades de produção e o essencial era a integração das unidades de produção com as atividades socioeconômicas locais.

Na França, a Fundação Nature e Progrés e na Alemanha, a Associação Bioland são adeptas desse movimento e nesses países, bem como em Portugal, o termo mais comum é “alimento biológico”.

As normas de produção e comercialização das Agriculturas Orgânica e Biológica são idênticas, sendo que hoje elas divergem somente pelo sentido da palavra de origem.

Agricultura Orgânica
O pesquisador Albert Howard, considerado o pai da Agricultura Orgânica, trabalhou na Índia, a serviço da Inglaterra, na estação experimental de Pusa e começou a observar a maneira que os camponeses indianos reciclavam materiais orgânicos para fazer compostos e utilizar na agricultura, evitando o uso de fertilizantes químicos. Howard percebeu a melhor qualidade do solo e das plantas nele cultivadas e que os animais dos camponeses não adoeciam, enquanto os da estação experimental, apesar dos vários métodos sanitários empregados, eram mais suscetíveis as enfermidades.

Em 1940, Howard publicou o clássico da Agricultura Orgânica, “Um Testamento Agrícola”. Na Inglaterra, Lady E. Balfour publicou “The Living Soil” (1943) e fundou a Soil Association, fatos que ajudaram a divulgar as idéias de Howard. Jerome Irving Rodale popularizou as idéias de Howard nos EUA. No ano de 1979, a Agricultura Orgânica foi regulamentada nos estados de Oregan, Maine e Califórnia e a partir daí os alimentos orgânicos puderam ser rotulados como tal.

Em 1984 a AO foi reconhecida pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. O Brasil assumiu esse termo como genérico, assim como a Inglaterra e os EUA.

Agricultura Natural
Mokiti Okada foi um empresário bem-sucedido até que houve uma grande crise financeira na década de 20 no Japão. A partir daí, começou a estudar filosofia, artes e agricultura.

Observando os problemas na agricultura japonesa, deu início a experimentos de campo. Em 1935, criou a Religião Messiânica, que tem como um dos alicerces a Agricultura Natural, cuja prática respeita as leis da natureza, alicerçada nos princípios da “Verdade, do Bem e do Belo”, e divulga que a arte e os alimentos produzidos sem produtos químicos têm o poder de purificar o espírito e o corpo.

As principais práticas recomendadas pela Agricultura Natural são: rotação de culturas, o uso de adubos verdes e a cobertura morta (restos de vegetais) sobre o solo. No que se refere ao controle de pragas e doenças, aconselha-se a manutenção das características naturais do ambiente, a melhoria das condições dos solos e, portanto do estado nutricional dos vegetais, o emprego de inimigos naturais de pragas e, em último caso, a utilização de produtos naturais não poluentes.

A Agricultura Natural, mesmo defendendo a reciclagem de matéria orgânica nos processos produtivos, evita o uso de matéria orgânica de origem animal. Essa agricultura se fortaleceu no Japão e se expandiu pelo mundo. A Fundação Mokiti Okada no Brasil foi instituída em 19 de janeiro de 1971.

No mesmo período, por volta de 1938, Masanobu Fukuoka, pesquisador chefe do controle de doenças e insetos da estação experimental da prefeitura de Koshi, no Japão, deixou o cargo e se dedicou a experimentação de campo em sua fazenda de citrus e grãos, quando formulou os princípios da “Agricultura da Natureza”.

Fukuoka dizia que o agricultor não deve arar a terra e nem mesmo utilizar-se dos compostos, mas deve aproveitar ao máximo os processos da natureza sem esforços desnecessários e desperdício de energia, método que ele chamou de “não fazer”.

As idéias de Fukuoka foram difundidas na Austrália pelo método que ficou conhecido por Permacultura, cujo princípio é o cultivo alternado de gramíneas e leguminosas e o solo mantido com cobertura de palha.

Nas palavras de seus fundadores, Mollison e Slay, a Permacultura é “um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis”. Entende-se como design, a conexão entre as coisas, ou melhor, a forma como homens, animais e culturas estão conectados. Seus idealizadores colocam na base do pensamento da Permacultura os ensinamentos do próprio Fukuoka que a resume como “uma filosofia de trabalho com (e não contra) a natureza; de observação atenta e transferível para o cotidiano, em oposto ao trabalho descuidado; e de observação de plantas e animais em todas as suas funções, em oposto ao tratamento desses elementos como sistemas de um só produto”.

Essas correntes existem até hoje e os objetivos comuns de todas elas estão disponíveis no Decreto 6.323/2007, ou seja, “a auto-sustentação da propriedade agrícola no tempo e no espaço, a minimização da dependência de energias não renováveis na produção, a oferta de produtos saudáveis e de elevado valor nutricional e a preservação da saúde ambiental e humana”. Os objetivos de “maximizar os benefícios sociais para o agricultor e respeitar sua integridade cultural” estão igualmente previstos na legislação brasileira e as diferentes correntes consideram tais propósitos. Queremos acreditar que uma verdadeira Agricultura Orgânica persiga tais objetivos expostos na legislação e considere questões como o salário justo do agricultor, seu bem-estar na propriedade, o trabalho escravo e infantil.

Algumas certificadoras já emitem selos ecosociais e certificação para um comércio justo, solidário e responsável. Entretanto, uma outra vertente da agricultura sustentável assume tais objetivos como cerne de sua atuação.

As preocupações de ordem política e econômica que iniciaram com a Agricultura Biológica na Europa, centradas na viabilização do agricultor e sua dignificação no meio rural, tornou-se o foco de ação da Agroecologia. Ela se caracteriza como um movimento sócio-político, de empowerment (traduzido para o espanhol como emponderamento. O termo não existe em português) do agricultor em busca de sua identidade e raízes culturais e principalmente de sua autonomia, poder de decisão e participação ativa no processo produtivo, além das preocupações ambientais inerentes as outras correntes acima citadas.

A Agroecologia se ajusta as questões sociais que permeiam a realidade rural brasileira e, enquanto a AO é considerada um sistema produtivo que trabalha com diferentes segmentos sociais, a Agroecologia não é um modelo de agricultura, mas se denomina como ciência, na qual a agricultura familiar está no centro dos processos envolvidos dos sistemas produtivos. A Agroecologia “parte do pensamento científico-agronômico modificando-o com a prática e revelando, por um lado, o funcionamento ecológico dos processos biológicos da produção no enfoque ambiental e, por outro lado, os mecanismos de dependência sócio-política que mantém os agricultores em uma posição de subordinação”. Para seus divulgadores, esses fundamentos, uma vez compreendidos, podem levar a propostas de agricultura sustentável. Pensando nessa ampla perspectiva, o conceito de “alimentos agroecológicos” não existe, pois a Agroecologia não se caracteriza como um padrão produtivo. É comum, entre os promotores da Agroecologia, ouvir o termo “alimento ecológico” que não se enquadra em nenhum padrão produtivo e não define muita coisa.

Tais diferenças de enfoque acabam por se expressar em um processo de divisão, explícito na fase final da cadeia produtiva, a comercialização dos orgânicos. O movimento orgânico aparece dividido entre aqueles atores orientados para a produção do comércio varejista interno e de exportação e os que reforçam a relação do sistema produtivo e valores e a necessidade de manter a AO dentro de um mercado local, que fortaleça a ação do agricultor familiar, o chamado circuito curto composto de feiras, vendas diretas, cestas e lojas especializadas.

Apesar de que essas diferenças trazem rupturas e animosidades no cenário orgânico brasileiro, a diversidade de pensamentos e ações é uma conquista e todas essas propostas assumem um papel importante na construção de uma forma mais digna de fazer agricultura. As correntes que focam no consumidor e na variação do circuito de vendas (supermercados e varejo em geral, além do circuito curto) devem ser respeitadas no seu papel de ampliar mercados de comercialização, disponibilizar produtos orgânicos variados, retirar a AO de um nicho para uma posição de produto diferenciado, facilitar a comercialização para o consumidor urbano e de popularizar a Agricultura Orgânica em todas as classes sociais.

Já as vertentes que buscam o retorno do lucro de venda para o agricultor, sem intermediários, acabam por fortalecer o papel do agricultor familiar, estimulam a promoção da responsabilidade social dos diferentes atores (especialmente o consumidor) frente à agricultura orgânica e ampliam a ação da AO como movimento socioambiental.

Respeitando as diferenças que cada corrente assume a questão principal que deve preocupar o movimento orgânico é como passar para o consumidor essas nuanças e como informar que o alimento proveniente de Permacultura, biológico, natural ou biodinâmico é também orgânico, mas o contrário não é verdadeiro.

A legislação propõe um termo comum e foi aprovada por técnicos de várias correntes.

Depois de esperar tanto tempo por uma lei que discipline a Agricultura Orgânica no país, é importante que o movimento assuma esse termo e ajude a ampliar sua inserção no mercado e esclarecer suas diferenças para os leigos.

Uma proposta seria a de utilizar o termo ALIMENTO ORGÂNICO proveniente de Agricultura Biodinâmica, Natural, de Permacultura ou com base na Agroecologia.

É possível veicular nos rótulos informação adicional ao consumidor que esclareça as diferenças. O termo AGRICULTURA FAMILIAR ORGÂNICA abrange muitos interesses e poderia ser uma opção clara e simples.

A Agricultura Biodinâmica pode informar sobre sua preocupação com a qualidade dos alimentos e com a formação de um mercado orgânico interno que tenha credibilidade no exterior.

A Agroecologia deve mostrar suas preocupações com a dignificação do agricultor e com a formação de mercado com base em economia solidária.

A Natural pode sinalizar a relação entre o ato de comer e o desenvolvimento espiritual do ser humano e assim por diante.

Isso não significa que esses objetivos não se mesclem entre as correntes, mas o consumidor não pode estar confuso nesse momento, sem saber se o termo “alimento proveniente de Permacultura” vem de alguma seita desconhecida ou se ele está apoiando o MST e o movimento de reforma agrária quando compra produtos “com base na Agroecologia”.

Como profissional da área da saúde e educação alimentar, penso que o termo orgânico deve ser veiculado entre os consumidores e leigos. Não há dúvidas de que esse termo ainda está em construção e que para ser relacionado a uma perspectiva ampla de saúde, deve incorporar novas premissas.

Uma propriedade orgânica que visa somente a substituição de insumos sintéticos por insumos orgânicos ou que utilize práticas de monocultura e confinamento animal, sem considerar aspectos de promoção da biodiversidade e do bem-estar animal (questões intimamente ligadas a qualidade do alimento orgânico) não merece o rótulo de alimento orgânico, mas conhecendo o cenário de produção orgânica nos EUA essas questões devem nos preocupar e são relevantes.

Para manter a responsabilidade de promover a saúde social, a AO precisa realmente assumir as discussões referentes à reforma agrária, desenvolvimento rural sustentável, reformas políticas da agricultura e valorização da agricultura familiar para evitar a formação de um agriorganic business socialmente excludente, como aponta o agrônomo Dr. Wilson Schmith da UFSC.

De forma a ampliar o conceito de saúde ambiental, a AO vai precisar rever o contexto de produção local de alimentos e levar em conta a necessidade de desenvolver embalagens coerentes para seus produtos, rever o uso de energia à base de petróleo durante a produção e os gastos energéticos para produzir alimentos.

Nos EUA, sete a dez calorias de combustível fóssil são usadas para produzir uma cal de energia alimentícia. 1/5 dessas dez calorias são utilizadas na produção e o restante vai para o beneficiamento e transporte desses alimentos (inclusive dos orgânicos).

As perguntas que emergem nesse contexto são: Podemos enquadrar tal processo produtivo no conceito de sustentabilidade ambiental?

Um suco de kiwi orgânico proveniente na Austrália e comercializado na Argentina, que viaja de avião perto de 12.000 km de distância ou um leite produzido localmente, que sai da propriedade rural para o laticínio, viaja longas distâncias para voltar à mesa do consumidor numa embalagem que custa muito cara para ser reciclada, podem ser considerados alimentos sustentáveis do ponto de vista ambiental?

O jornalista Michael Pollan pergunta, preocupado, se “a produção orgânica também vai flutuar num mar de petróleo, prestes a naufragar?”

O alimento local é ajustado ao ecossistema e produzido com menor custo energético e menor uso de insumos, além ser um tipo de “herança cultural” que faz parte de dietas ajustadas à noção de territorialidade dos hábitos alimentares. Em breve esse conceito vai ser difundido e esperamos ver disponível no mercado o alimento local orgânico ou o alimento orgânico produzido localmente. Esse conceito pode ser ampliado para ALIMENTO LOCAL PROVENIENTE DA AGRICULTURA FAMILIAR ORGÂNICA.

É um termo muito grande… grande como o nosso sonho de atingir esse complexo ideal de produção alimentar.

Por fim, a legislação dos alimentos orgânicos ainda vai precisar rever os métodos de processamento a que são submetidos tais produtos para realmente oferecer alimentos saudáveis e equilibrados ao consumidor, promovendo sua saúde. Atualmente a irradiação e o uso de aditivos químicos sintéticos são proibidos, mas o que dizer do impacto de outras técnicas de processamentos utilizadas na indústria alimentar?

Os processos de refinamento de cereais, sal e açúcar, enlatamento de vegetais, esterilização, homogeneização e desidratação de leites são relacionados a modificações na quantidade de fibras e no valor nutricional desses alimentos, (especialmente no que diz respeito à quantidade de minerais e vitaminas, micronutrientes cuidadosamente mantidos durante o manejo de plantas no solo orgânico equilibrado). Além disso, alguns desses processamentos influenciam na biodisponibilidade de nutrientes, degradação protéica, oxidação, rancificação e modificação dos ácidos graxos e gorduras. A formação de substâncias indesejáveis nos alimentos durante alguns processos de industrialização é conhecida. São exemplos a liberação de ácido glutâmico livre, uréia e amônia no processo de desidratação e esterilização de leite, formação de ácidos trans durante a hidrogenação e de radicais livres durante o refinamento de óleos. Uma margarina, um leite desidratado (o esterilizado já está disponível!) ou um óleo vegetal pressurizado a alta temperatura orgânicos podem surgir a qualquer momento para promover os interesses da indústria alimentar, ávida por novidades, e para satisfazer consumidores e especialistas desatentos. E, segundo a legislação vigente tais produtos podem se enquadrar como alimentos saudáveis e de qualidade superior.

A discussão está apenas começando, mas não há dúvidas de que o consumidor vai conhecer um cenário de grandes mudanças no sistema de produção de alimentos. É impossível reverter tal processo que se caracteriza por uma irreversível reflexividade e uma tomada de consciência por parte de leigos e peritos.

É importante ressaltar que os especialistas da área devem estar preparados para fornecer informações atualizadas, corretas e acima de tudo, coerentes.

* Dra Elaine Azevedo é nutricionista especializada em Alimentos Orgânicos; Formada em Nutrição Antroposófica pela Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, mestre em Agroecossistemas pela UFSC e doutora em Sociologia Política pela UFSC. É consultora e ministra aulas em diversos cursos de Agricultura Orgânica e Biodinâmica no país e é autora de dois livros: Alimentos Orgânicos e Trofoterapia e Nutracêutica, um livro com dieta e orientações nutricionais.

Fonte: Portal Orgânico

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